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  • Vera Cristina

Fuxicos (ou, Amigalhei-me!)

Me preparo para escrever este texto.


Olho para as migalhas do pão caseiro que ficaram sobre a tábua onde ele foi cortado ... eu poderia escrever sobre isto ...


Vou ao banheiro e olho pequenas sujidades no chão, fios de cabelo soltos. E penso que poderia escrever sobre esses aspectos de nós que vão ficando para trás ...


Procuro inspiração no meu quintal e, no beiral, percebo “migalhas” de folhas secas que meus chinelos trouxeram para dentro. Eu também poderia escrever sobre isto ... as coisas já secas que trazemos para dentro de nós e qual impacto isto tem ... eu poderia ...


Sento-me à mesa para escrever, caderno, lápis e borracha à postos! Não sem antes limpar a mesa, em um gesto agora mecânico, retirando migalhas que ficaram do café da manhã.


Me preparo para escolher, afinal, sobre qual aspecto vou falar, reclamar talvez desta minha vida com tantas migalhas.


Mas, então, eu me lembro daqueles que vivem, não de migalhas, mas das fatias de pão da vida tão duras que, pouca coisa sobra e custam tanto para serem mordidas, mastigadas e engolidas, quem sabe, à seco. E são tantos neste momento triste e revelador da nossa História (isso mesmo, com h maiúsculo porque falo do meu país).


E percebo que essas migalhas todas compõem meu dia, agregam-se na minha vida e, sem querer, como fuxicos mal costurados, formam um todo — este texto, que era sobre migalhas, mas amigalhou-se para ser o que é possível neste momento: uma migalha de texto.

E é isso, Sofia!



- 03.iii.2021, depois de dias tentando fazer algo completo, complexo e profundo sobre as migalhas, percebo que elas são isso mesmo, pequenos trechos de vários textos maiores.


@travessiastextuais




Fotos: colcha de fuxicos (fonte: Bing, creative commons [pj_bloomquilt_600x840.jpg (600×840) (bp.blogspot.com)]; migalhas de pão (fonte: Unsplash, by Taylor Kiser)


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