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  • Vera Cristina

Nossos restinhos da geladeira

Nos últimos tempos, muita gente está cozinhando em casa, por conta da pandemia. Cozinha, inventa, procura, come ... E vão se acumulando na geladeira os potinhos com aqueles “restinhos”. Não queremos jogar fora – com razão! – porque valorizamos os ingredientes, a receita e o dinheiro usado para comprá-los. E, assim, eles vão ficando lá no fundo das prateleiras. Escondidos atrás de outros ingredientes e potinhos mais recentes.


O que fazer? O mexidão do sábado à noite? O arroz frito com shoyu e cebolinha? A sopa de uma noite fria? Tudo é válido ...



Foto: geladeira com potinhos (foto arquivo pessoal)



E dos potinhos da geladeira, me vi pensando nos outros potinhos ... aqueles com restinhos de sentimentos que guardamos sabe-se-lá-onde e que, repentinamente, surgem em nossas vidas e atrapalham a linda “mesa posta do almoço de domingo”. Pode ser a lembrança de uma mágoa mal curada que uma música despertou, a raiva engolida de uma situação não resolvida, a tristeza da perda que surge e nem sabemos por que – algo muito recorrente em tempos de pandemia.

Eles surgem, pulam à nossa frente. O que fazer com eles?


Só posso falar da minha vivência. E ela tem incluído olhar para cada um deles, tirar a tampa, sentir o odor acre, ácido, pútrido, não importa e, então, acolhê-los. Apenas dizer, sim eu te vejo e te reconheço. Imagino que é um bebê e pego no colo e o acalento. Em geral, esse bebê se recosta no meu ombro e se acalma, às vezes, até adormece. E ele vai para o seu bercinho, tranquilo.

Depois ... Depois, a gente escreve. Canta. Dança. Toca. Pinta. Faz pão. Cozinha. Conversa com a amigas, os amigos.

Às vezes, o conteúdo do potinho, ao ser visto, simplesmente se esvanece. Vira nuvem. E vai habitar o céu azul, junto com outras nuvens. E se temos o hábito de olhar o céu e observar as nuvens, vamos nos divertir, imaginando animais, pessoas e formas nessas nuvens, sem nos preocuparmos em saber se ali tem algum resquício dos nossos sentimentos passados. E é bom que seja assim.

O que foi uma vez guardado, precisa achar seu caminho, como uma gota de água que se torna chuva, adensa o rio e chega no mar.

Nossos pensamentos, sentimentos e devaneios perdidos precisam, também, alcançar essa plenitude, esse mar, essa imensidão e esse vazio.

E você, o que tem feito com seus potinhos?


28.v.2021 – um texto que surgiu de uma conversa sobre restinhos da geladeira, em um grupo de receitas, no Whatsapp.

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