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  • Vera Cristina

Minha casa e suas janelas

Houve uma época em que as janelas da minha casa de abriam para um enorme campinho de terra. Eu passeava, despreocupadamente, por ele, colhia flores de capim formando enormes buquês (enormes para meus braços pequenos) e, depois, me distraia correndo meus dedos sobre os galhinhos, desfazendo as florzinhas e as assoprando para o vento. Talvez enviasse junto meus pensamentos para o futuro.


Depois, as janelas se abriam para uma rua sem saída, que ficava abaixo de outra, bem movimentada, no paulistano bairro de Pinheiros. Por elas, eu vi tanques de guerra atravessando a cidade para afugentar estudantes que queriam a democracia, ambulâncias apressadas gritando, transeuntes despreocupados, pessoas carregadas de pacotes. Uma vida na cidade grande, eu diria.



Fotos: janelas (para vegetação, fonte Unsplash, by Felix Girault; para cidade, fonte Unsplash, by Svetlozar Apostolov)



Essas janelas viram este espaço chamado “meu corpo” se alargar muito, por duas vezes, para conter, nutrir e gestar novas vidas. E depois de se ampliar, se retrair para quase seu tamanho anterior.


Este corpo já foi tão ágil, maleável, controlado e cheio de energia.

E, aos poucos, estas janelas, chamadas olhos, ao virarem-se para o espelho, enxergam não mais a menina ou a mulher que eu já fui, mas se assustaram ao ver minha mãe, ainda bonita nos seus 50 anos e, sem que eu me desse conta ou tivesse posto reparo, enxergam agora a minha avó.

O corpo agora reclama quando se movimenta, mas reclama ainda mais se fica parado!

A pele era lisa como pêssego e virou couro curtido. Penso que foi o tanino da vida que fez isso ...

Não sei se é um corpo que eu habito, uma casa ou um navio, porque já estive em tantos lugares, com tantas pessoas e seres.

E meus olhos, são olhos, janelas ou escotilhas?

E o mundo que vejo, está fora, dentro ou é tudo uma coisa só, que espio por estes buraquinhos, que não sei como chamar?



Fotos: autora (fonte: arquivo pessoal); janela de avião (fonte: Unsplash, by Ethan Hoover)



11.iii.2021

@travessiastextuais

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