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  • Vera Cristina

#flor do dia 1 - Dália

Demorou um pouco para os meus olhos se acostumarem com a luz dentro da Tenda. O tecido grosso filtrava a luz do sol e uma árvore no canto do térreo projetava as sombras de suas folhas. Para ajudar, havia pequenas tochas e um ventilador no chão deixava o ambiente mais agradável.

As organizadoras dos encontros estavam terminando de explicar a dinâmica das reuniões quando cheguei. Percebi que outras mulheres haviam entrado na tenda, seguindo o meu chamado. Sentaram-se espalhadas pelo local e escutavam com atenção.

Quando a palavra foi aberta para o público, uma mulher logo se levantou. Impossível não reparar nela e ficar curiosa pelo que iria compartilhar. Tinha o corpo compacto, cabelo negro com alguns fios grisalhos presos em uma trança; cintura grossa, seios fartos. Usava uma saia com pregas, escura, quase até os joelhos, o que destacava o quadril largo. Mas o que capturou minha atenção foi a bata que usava: azul celeste, bordada com muitas flores, de cores fortes e vibrantes. E assim, no primeiro dia, conhecemos Dália e sua estória, vibrante como ela.

“Sou nascida no México, mas vim pequena para o Brasil e, por isso, me considero brasileña. Em casa, todos diziam que era uma manteiga derretida, que mal podiam encostar em mim que já caia no chão. Mas isso era apenas para justificarem as maldades que meus irmãos, junto com vizinhos e primos, faziam comigo. Por causa do meu porte físico fui chamada de muitos nomes. Não vou repetir nenhum deles aqui, porque ainda dói por dentro quando os escuto.

Logo cedo fui ensinada a cuidar da casa e também ajudava meus pais no pequeno bar que tinham. Com isso, precisei sair da escola – além de faltar muito para ajudar nos trabalhos, não conseguia fazer as tarefas e, depois de repetir de ano algumas vezes e ser chamada repetidamente de burra pelos meus irmãos e colegas, sai da escola.

No bar não foi mais fácil. Assim que fiquei mais “encorpada”, precisei aprender a ser mais rápida que as mãos indecentes dos homens que o frequentavam.

Me casei com um rapaz amigo da família, mas isso só me trouxe mais trabalho, humilhações e dor. Deus quis que Manolo fosse para o seu lado bem cedo e precisei trabalhar muito para criar meus 5 filhos. Agora estou mais tranquila, vi esta tenda e meu coração me empurrou aqui para dentro. Quis falar logo, ou ficaria calada. Queria muito poder ler melhor as letras, para aprender coisas novas, mas acho que sou muito velha.”

Dália suspirou fundo e lágrimas grossas desceram pelo seu rosto de pele grossa, e seu corpo tremia um pouco.

Uma das organizadoras se levantou, agradeceu seu relato corajoso e a envolveu em um longo e amoroso abraço.

Outra das organizadoras, mais prática, perguntou se alguma de nós poderia ajudar a Dália.

De onde estava, vi que a ex-mulher daquele professor de física famoso se levantou e disse que havia trabalhado com EJA durante anos e adoraria ajudá-la. Dona Laura ofereceu o seu quintal, com sua mesa acolhedora, para que desenvolvesse as atividades.

E foi assim que todas nos levantamos, nos abraçamos e nos irmanamos naquela Tenda. Sabendo que coisas boas iriam brotar dali. Ainda dá tempo de você vir ouvir outras estórias, apareça!



Foto de I love flowers.com


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