Quando pequena, tinha muito caderninhos. Com adesivos, desenhos, tinta colorida, uma festa! Tinha também diários, alguns com cadeados. Cresceu e os cadeados saíram dos diários e foram para a mente, alguns para os dedos ... Mas isso não a impediu de expor-se, de levar para o mundo todo o seu universo interior, tão cheio de estrelas, nebulosas, anéis de poeira como o universo onde estamos.
Ao crescer, o universo interno que saia pelos seus dedos não quis se expressar apenas pela escrita. E foi escrever em outros modos, na lousa, na fala; depois, nas bonitezas que fazia com suas mãos. É engraçado como é possível escrever sem ser com papel, lápis e caneta. Ela aprendeu a escrever com pano, linha, fios coloridos, botões.
Não demorou muito e essa força interna quis ser não apenas dela, e se espalhar pelo mundo porque é assim que precisa ser, é assim sua natureza—a pura expansão amorosa.
E foi contaminando outras pessoas. Não como esse vírus que nos assustou, embora ao descobrir o universo interno, as pessoas se assustem. As pessoas se contaminaram dessa vontade de se expressarem escrevendo. Como uma missão, um trabalho, um serviço a si e ao outro, abrindo portas, como um gigantesco telescópio a olhar e descrever o Universo.
E assim eu cheguei aqui. Primeiro, sem acreditar, depois, sem valorizar o que poderia compartilhar. Mas foi aquela menina/mulher que me contaminou com o vírus da escrita. E me levou para um lugar com outra mulher, uma Maria de força, onde fui não só contaminada com a determinação de escrever, mas de ser desafiada e gostar disso.
Esse lugar é aqui. Que não termina amanhã. Porque o Universo de dentro já não cabe mais lá dentro apenas e sai teimosa e corajosamente, como os raios de sol passando pelas aberturas possíveis da veneziana.
30.vii.2020 – meio da manhã, olhando o sol chegando através dos espaços possíveis no muro do quintal
Fotos: cadernos (fonte: Travessias Textuais); nebulosa (fonte: Hubblesite.org); casa com cortinas (fonte: Travessias Textuais)
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