- Vera Cristina
#dia 19 - Por uma estranha coincidência
Abri ontem aquele caderno perdido. E parece que as comportas de uma grande represa se abriram dentro de mim. E, com medo da força da água e das plantas que cresciam nela e do lodo do fundo, que poderiam vir e inundar tudo, me fechei. E sequei por dentro. Fiquei sentada no que sobrou do muro da barragem, olhando a água passar. Me assustei com sua força e com os possíveis estragos.
E a mão segurando o lápis sobre este outro caderno, onde escrevo, parou no ar. Deixei o lápis de lado, esperando que toda água passasse.
Ainda estou sentada no muro, a água agora escorre devagar. Talvez já pudesse descer. Molharia apenas os meus pés, mas não estou de galochas e não gosto de molhar meus pés.
Já consigo pegar meu caderno de capa florida e escrever nele. Já posso deixar que outras coisas saiam e se expressem. E isso me tranquiliza, mesmo sabendo que precisarei enfrentar e limpar as consequências deste transbordo caseiro. É final de tarde, as cores no céu são tranquilizadoras e o cheiro de terra molhada que sinto aqui sobre a mureta parcialmente destruída é muito bom. Eu sei que não é coincidência ...
19.vii.2020 fim da tarde
Fotos: barragem (fonte: Sulmetals); caderno com lápis e borracha (arquivo pessoal)