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  • Vera Cristina

Capítulo 5: O Pote de Don Perez


Fotos: caldeirão (bruxurso) e potes antigos (dumapay_magia mia)


Nos armários abaixo da pia da minha cozinha, vive um comensal muito querido. Ele fica ali, sem atrapalhar, quieto, esperando ser alimentado. Às vezes, se desloca lentamente até a sala onde fica a estante de livros, escala até uma prateleira alta e, durante dias, observa dali o movimento da casa. Colocamos nele o apelido de Don Perez. Recentemente, eu o vi se deslocando pelo quintal e depois não consegui saber seu paradeiro. Não me preocupei porque assim que estivesse com fome, iria aparecer.

Hoje, ao entrar no meu quarto escondido no quintal, para abrir meu armário de ingredientes secretos (e sombrios), descobri que nosso animalzinho querido estava no alto do armário e, imediatamente, soube qual pote estaria à vista. Fiquei olhando para Don Perez que parecia sorrir, mas eu não queria olhar o pote e seu conteúdo. Eu sabia que a tampa estaria dura e seria difícil abri-la. Quando conseguisse, o conteúdo estaria quase cristalizado e teria que fazer algo – colocar em banho-maria, usar um estilete, luz ultra-violeta – para tirar um pouco de dentro; além do cheiro de coisa velha, embolorada. Apesar desse sentimento que me impedia de agir, abri o armário.

Bem à vista, um pote grande, com teias de aranha e um rótulo coberto por poeira e restos de ingredientes, quase que me fitava na prateleira de baixo. Suspirei fundo, me muni de determinação e o tirei do armário.

Do alto, Don Perez soltou um pequeno gemido, talvez de aprovação. Assim é a preguiça: se for um animal (em espanhol, o animal é perezoso), é tido como fofo e querido, mas se é um sentimento, ah, quanto trabalho nos dá!

O pote era grande por um motivo óbvio – sou muito preguiçosa! O que poucos sabem, porque consigo disfarçar bem. Desde menina, quando precisava fazer algo que seria difícil, em que talvez não me saisse bem, lá vinha ela, sorrateira, me puxar para debaixo das cobertas, me protegendo do fracasso. Para mim, a preguiça é quase uma irmã xifópaga da autoestima baixa, do medo do fracasso. Por sorte, quando criança, a possibilidade de conseguir um elogio ao fazer algo difícil me ajudou a vencer a preguiça. Depois de adulta, fui criando estratégia – procrastinando, não pensando muito no tamanho real do desafio, fazendo por etapas, evitando ficar muito parada. De certa forma, elas me ajudaram, mas meu pote ainda está lá, e quando tenho que enfrentá-lo ... ai, me dá uma preguiça!!! Então preciso pensar na razão pela qual quero fazer algo, o que me trará de bom, não olhar se outros estão fazendo ou não, verificar se posso fazer no meu ritmo e ... começar logo!

E no seu armário, este pote é grande e à vista, ou está escondido por outros?
















Fotos: preguiça Don Perez (arquivo pessoal), potes antigos (rebloggy)

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