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  • Vera Cristina

#Capítulo 5 - O cachorro louco

Sentada à mesa do meu quintal, tomando café ou chá, ou simplesmente tomando a fresca, observo coisas incríveis, às vezes, inimagináveis. Ontem à tarde, por exemplo, vi algo muito estranho. Perto do meu portão, parou um pequeno caminhão. Nele estava o símbolo do Controle de Zoonoses, a conhecida “carrocinha”, agora modernizada. Dele desceram o motorista e o ajudante; abriram a porta traseira, se paramentaram com avental, luva (já estavam de máscara) e uma vara com laço na ponta.

Aos poucos, fui me aproximando e olhando com curiosidade e espanto. Agosto, meu gato, veio junto, bastante ressabiado. Como ele tem coleira, com identificação e sua carteira de vacinação está em dia, fiquei despreocupada com isso, mas ainda sem entender a situação.

Assim que ficaram prontos, caminharam em minha direção, talvez querendo uma ajuda para sua missão:

- Tarde, dona! Que mês maluco este aqui, não?

- Boa tarde, moço.

E já precisei emendar uma repreensão:

- Agosto, volta aqui, sai de cima do muro! – falei para o meu gato, causando um certo espanto neles.

- Uia, no nome desse gato é Agosto? Mas agosto é mês de cachorro louco! Ou era, antes da gente começar as campanhas de vacinação – falou o motorista.

- É, a não ser quando algum maluco não cumpre com suas obrigações de tutor e faz a gente vir atrás de cachorro contaminado – reclamou o ajudante.

- Vocês estão aqui para capturar algum cão com raiva? Perguntei, assustada.

- Olha, dona. Não sabemos se o cão está contaminado ou não, mas recebemos uma denúncia e viemos conferir. Onde fica o no. 171, por favor? Parece que até os números das casas nesta rua não seguem uma ordem correta ...

Preocupada, fui indicando onde moravam o seu Pedro e Dona Marta de Souza, um casal de meia idade, com um quintal grande e, pelo menos, 10 cachorros que foram adotando e cuidando. Aquela conversa me deixou curiosa e, fechando o portão para tentar não deixar Agosto sair, caminhei à frente deles na esperança de que a denúncia estivesse errada.

Ao chegar na casa dos Souza já notei algo estranho. Um dos cães estava preso dentro do antigo galinheiro – agora vazio – e uivava triste, parecendo assustado, mais do que doente com raiva.

Os moços do Controle de Zoonoses bateram palmas, já trocando olhares, depois do motorista ter apontado o Zeca no galinheiro.

Seu Pedro veio rápido e ao saber quem eles eram e o porquê estavam ali, desandou a falar, talvez até buscando uma explicação para o “fenômeno”:

- Olha, moços, não sei o que acontece com o Zeca, que está assim há uns 3 dias. Precisei deixar ele ali, com medo que fosse algo contagioso e pudesse passar para os outros. Ele é vacinado, assim como os outros cães e come o que todos comem.

O ajudante começou a fazer anotações em uma prancheta e, ao mesmo tempo, fazer perguntas:

- O que o senhor notou que aconteceu de diferente por aqui, três ou quatro dias atrás?

- Ah, nada diferente. Aqui é muito calmo, pode perguntar para dona Laura aí atrás ... respondeu, me envolvendo na conversa.

- Na verdade – fui esclarecendo- a única coisa diferente que percebi 4 noites atrás, puxando pela memória, foi a passagem daquele caminhão vermelho, cheio de luzes, tocando músicas natalinas agora em agosto ... sabe, aquele caminhão daquele refrigerante? Acho que tinha até o Papai Noel jogando balinhas para as crianças da calçada.

- Nossa – falou Dona Marta que tinha acabado de vir da cozinha – nessa noite o Zeca escapou e correu atrás desse caminhão. Demorou umas 2 h para voltar!

- Vixe, dona, não precisa falar mais nada! Estamos com vários casos iguais a este do Zeca, é esse o nome, não? Mas a solução para essa loucura é simples.

Seu Pedro já ficou interessado e Dona Marta moveu as sobrancelhas com ar de querer saber como curar o Zeca.

- Pois intão, é só fazer assim: põe umas uva-passa no meio da ração dele e dá para ele, cantando música de Natal. Acho que uns dois dias é suficiente! – já avisou o ajudante, saindo tranquilo, com a vara pousada no ombro, assobiando “Jingle Bells”.

- Uva-passa!? Perguntou-se seu Pedro, com olhar distante – A gente tem isso em casa, Marta?

- Acho que não, marido. Costumo comprar lá prá novembro, para colocar nos panetones que faço. A senhora teria, dona Laura?

E foi assim que ajudei a curar a loucura agostiniana de Zeca com um pacote de uvas-passas. Cantar as musiquinhas já era demais para mim; isso deixei para seu Pedro, que participa do coral da igreja e sabe várias.




Fotos da internet: carrocinha e cão. Uva-passas: Andreas Haslinger, de Unsplash.com


#escreveragosto #desafiodeescritacriativa


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